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Recurso da Lei Aldir Blanc pode não atender à cultura da periferia

Exigências dificultam movimentos mais vulneráveis de receber verba durante a pandemia



Criada para garantir renda emergencial a trabalhadores da cultura durante o período da pandemia, a chamada Lei Aldir Blanc teve sua regulamentação federal publicada no Diário Oficial da União em 18 de agosto, 51 dias depois de sancionada.


A regulamentação prevê a distribuição de verba a estados e municípios a partir da elaboração de um Plano de Execução da Lei, que deve ser submetido ao Ministério do Turismo, onde hoje está alocada a Secretaria Especial da Cultura. São Paulo tem o maior volume a receber de verba da Lei Aldir Blanc entre todos os municípios do País: R$ 70,8 milhões.


Grupos foram criados na capital paulista para oferecer subsídios à Secretaria Municipal de Cultura na elaboração do Plano de Execução da Lei, já finalizado pela prefeitura. Um deles é o Fórum de Emergência Cultural da Capital SP, integrado por movimentos culturais e comunidades tradicionais, focado para que os recursos fossem direcionados a segmentos culturais mais vulneráveis.


Para isso, seria necessário mapeamento e cadastro desses trabalhadores da cultura, de artistas a técnicos, tradicionalmente em situação mais frágil. A proposta do Fórum, no entanto, não foi à frente.

Espaços simbólicos


De acordo com MC Who, artista, gestor e produtor cultural e militante do hip hop, chegou-se a apresentar uma lista com dezenas de espaços simbólicos paulistanos para integrar o plano e que, consequentemente, se beneficiarem da Lei.


“Os recursos vão chegar na ponta da produção cultural? Quem está na ponta: as casas de axé, os territórios de memória e prática cultural, as batalhas, os slams, os saraus. O inciso II da Lei (voltada a direcionar recursos para espaços culturais) pretende contemplar essas organizações coletivas, mas, pelo menos aqui na capital paulista, não caminha para isso”, afirma.


Ressaltando ter sido “formado” nas ruas de são Paulo, MC Who, pioneiro na produção de álbum no País com nomes conhecidos hoje do hip hop, defende a aplicação da Lei Aldir Blanc no modelo em que foi gestada no Congresso Nacional, centrada na “universalidade, na diversidade e na possibilidade de distribuir renda nas áreas de mais vulnerabilidade”.


Ele acha que o plano de São Paulo, já definido, deveria ter seguido os programas de fomento já existentes da periferia, “para não inventar a roda” e atender os mais necessitados.


A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo criou um grupo de trabalho para discutir propostas para elaborar o Plano de Execução da Lei Aldir Blanc, sendo sete do poder público e o restante da sociedade civil, sendo que apenas dois deles representavam, de fato, os interesses da cultura mais popular.


“A Lei Aldir Blanc, embora cite a necessidade de atender espaços geridos por pessoas físicas, a regulamentação federal trouxe algumas amarras que prejudicaram o entendimento, pois apresenta a obrigação de uma prestação de contas ligada a uma fisicalidade, eliminando a proposta que existia, na concepção da Lei, de subsidiar grupos como espaços simbólicos culturais, muito comum no Brasil”, explica Railídia Carvalho, sambista, cantora e conhecida militante cultural.


“No momento em que se exige a prestação de contas, como conta de água, luz, internet, aluguel e outros, a tendência é que tenha a obrigação de existir um registro de pessoa jurídica, e este entendimento está trazendo, na avaliação de alguns, que a Lei Aldir Blanc irá beneficiar mais espaços com CNPJ”.


No entanto, Railídia acha que esse item deve ter entendimento diferentes entre os municípios, mas São Paulo deveria ter privilegiado mais os espaços simbólicos, em geral vulneráveis, em sua maioria na periferia e apenas caracterizado por pessoas físicas.


O resultado é que a aplicação da verba pode deixar trabalhadores dos segmentos da cultura popular periféricos, como os tradicionais movimentos de rodas de samba e hip hop, entregues à própria sorte na pandemia.

 

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