‘O funkeiro cult sempre existiu, a página só mostrou ele para o Brasil´
- Jairo Malta - FOLHA SP
- 15 de set. de 2020
- 3 min de leitura

"Hoje vamos falar desse mano aqui. Olha o bigodão de vilão dele, Al Capone! Esse mano é o Nietzsche. Sabe aquele mano que todo mundo fala, mas ninguém entende muito bem as ideia dele –sé loco! Mó roda gigante, isso aí é moiado. Tá ligado? É desse mano aí que a gente vai falar hoje”.
Se perdeu? Esse é o Marcelo Marques, 18, estudante de história e talvez a maior novidade do momento no campo da filosofia. Talvez você já tenha ouvido falar dele, mas certamente por seu apelido Audino Vilão. É um moleque chave, de bigode fino e cabelo na régua que tem ensinado sobre filosofia com dialeto da quebrada.
Mas, filosofia? Se você é da periferia e estudou em escola pública sabe que essa não é uma matéria facilmente encontrada na grade curricular. “Eu mal tive filosofia no ensino médio, nas aulas era mais um copia e cola, decora texto, não existia o pensar filosófico”, relembra Audino.
Muitos creditam isso à última reforma do ensino médio, onde filosofia não é obrigatória no últimos três anos escolares. A justificativa é que boa parte dos alunos chegam próximos da graduação com deficiências graves em outras disciplinas e ter filosofia não seria uma prioridade. Será?
“Com 16 anos eu peguei o livro do Nietzsche, ‘O Nascimento da Tragédia’. Nem cheguei a ler ele inteiro na época, mas fiquei encantado com a filosofia” diz Vilão. Ele ainda conta que, quando leu aquelas páginas, enxergou que aquilo era muito diferente da escola. Foi aí que o conceito e ética do filósofo começou a moldar o pensamento crítico do jovem.
Contrariando as alegações do Ministério da Educação ao realizar a reforma da educação em 2018, um estudo da FEE (Education Endowment Foundation) mostrou que ensinar filosofia básica no ensino fundamental ajudou na melhora do desempenho em leitura e matemática para alunos em uma escola na Inglaterra. Já no Brasil, jovens chegam ao ensino médio com desempenho em leitura e matemática abaixo da média esperada.
“É engraçado pensar que depois que o jovem sai da escola que vai se interessar pela literatura”, afirma Dayrel Azevedo, 21. Ele vive em Compensa, um dos bairros mais violentos de Manaus, e é criador do perfil do instagram Funkeiros Cult. “Quando acaba a escola, o jovem fica bem perdido sem saber para onde ir, alguns arrumam um bico, outros vão para o exército e tem aqueles que optam pelo trabalho ilegal, eu fui fazer bico”, conta Dayrel.
Com mais de 220 mil seguidores e até recentemente citado pelo advogado Silvio de Almeida no Roda Viva, o perfil divulga memes dos “cria” lendo um livro e sempre com um frase no estilo quebrada. Por exemplo, para explicar o livro do médico francês Nostradamus, a legenda que acompanha é a seguinte: “Bruxão já sabia das fita antes mesmo dos B.O. acontecer”.
Mas se engana quem acha que o perfil é puramente de humor. “Quando você sai da sua bolha, percebe que a gente que gosta de funk e se veste como funkeiro é muito zoado, é tirado como mal educado, burro, e isso me deu muito mal estar”.
Ele conta também que nós da periferia nunca somos associados a profissionais como jornalistas, advogados, médicos ou filósofos. A contradição é que o rap, gênero criado e popularizado pela favela, é basicamente a história das comunidades do Brasil e responsável pela construção da ética de muitas pessoas na quebrada.
“Foi fazendo um bico na universidade que eu percebia ainda mais a desigualdade entre quem tem acesso a educação e quem não tem”, completa Dayrel. Com isso em mente, ele criou a página no Instagram e seu primeiro meme era do seu escritor preferido Franz Kafka, com o livro “A Metamorfose” e a legenda: “barata é loko e o processo é lento”.
Para Dayrel, a página levanta três bandeiras: indica o livro, a dos memes e a do funkeiro que gosta de literatura. “A página só cresceu porque funkeiro cult sempre existiu, a página não criou o moleque funkeiro que lê, ele sempre existiu, a página só mostrou ele para o Brasil”.
Como diz a Constituição, a educação é um direito de todos, seja para o boy ou para o quebradinha. Por isso, enxergar alguém com todo estereótipo de periferia como um provável acadêmico é muito mais do que derrubar apenas um tabu, é tornar comum um direito constitucional.
Interesting perspective on how the "funkeiro cult" identity has always existed but remained hidden from mainstream view. The way cultural narratives evolve is truly fascinating. Speaking of sparking meaningful discussions, if you're exploring debate topics for students, you might find helpful resources at myassignmenthelp.com to inspire critical thinking and engagement in the classroom.
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