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Nunca foi tão urgente, nunca pareceu tão difícil: o que esperar da COP-27

Não bastassem as dificuldades de implementação do acordo climático global, a discussão no Egito será influenciada também por um difícil contexto mundial


POR MAURÍCIO THUSWOHL | 06.11.2022 09H00



Nunca foi tão urgente, nunca pareceu tão difícil. Com a missão de tornar reais e factíveis as muitas e não cumpridas promessas feitas pelos dirigentes do mundo para tentar manter o aquecimento global em somente 1,5º até 2100, os 193 países signatário do Acordo de Paris voltam se reunir a partir de domingo 6 na cidade egípcia de Sharm-el-Sheikh para a vigésima-sétima conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, a COP-27.


O cenário não é animador. O Fundo Verde do Clima, que deveria ter angariado US$ 100 bilhões por ano desde 2020, chega ao fim deste ano com apenas um terço dos recursos prometidos pelos países ricos, segundo dados levantados pela ONG internacional Oxfam. Já as metas nacionais de redução das emissões de gases de efeito estufa (NDCs, na sigla em inglês), assumidas em Paris em 2015 e renovadas na COP-26 realizada em Glasgow, estão longe de serem cumpridas.


Não bastassem as dificuldades de implementação do acordo climático global, a discussão no Egito será influenciada também por um contexto mundial que inclui a crise energética provocada pela guerra da Ucrânia e o desabastecimento de gás natural proveneniente da Rússia e o aumento das tensões diplomáticas entre China e Estados Unidos, os dois maiores emissores mundiais de gases-estufa.


A persistir o atual ritmo, alertam os cientistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), o aquecimento do planeta até 2100 poderá ser de catastróficos 2,8º graus, quase o dobro do almejado pelo Acordo de Paris. Esse cenário implicaria em uma sucessão de desastres climáticos como secas severas, inundações e furacões, entre outros, que resultariam em milhões de refugiados climáticos, sobretudo nos países mais pobres.


Ainda assim, e apesar dos discursos dos líderes globais sobre a gravidade do problema, pouco tem sido feito na prática. Apenas 26 países cumpriram os compromissos assumidos ano passado na Escócia e pelo menos um deles, o Brasil, apresentou resultados maquiados pela alteração na base de cálculo de suas emissões.


“Não estamos nem perto do nível e do ritmo de redução das emissões necessários para nos colocar no caminho do 1,5º grau. Para alcançarmos esse objetivo, os governos devem reforçar seus planos de redução e colocá-los em prática nos próximos oito anos” , alerta Simon Stiell, secretário-executivo da ONU para o Clima.


Segundo o IPCC, para voltar aos trilhos até 2023, como deseja Stiell, os países precisarão reduzir suas emissões em 45% na comparação com 2010. Difícil, mas não impossível: “Ainda haverá chuvas, secas, mas tudo será administrável e adaptável.” O mundo ainda tem uma chance, avalia Astrini, desde que os líderes dos países façam já o seu dever de casa: “É preciso reduzir o uso de combustíveis fósseis, acabar com o desmatamento, rever as formas de produção, adotar formas renováveis de gerar energia. As tecnologias para tudo isso estão sendo desenvolvidas”.


A receita é conhecida, mas falta vontade política de levá-la adiante. A maior prova disso é o descaso que nos últimos aanos tomou conta da formação e execução do Fundo Verde do Clima, que estaria defasado mesmo que todos os recursos prometidos tivessem sido doados. A ONU estima que os países mais pobres precisarão de US$ 340 bilhões anuais até 2030 para conseguirem se adaptar às mudanças climáticas, cifra muito maior que os US$ 100 bilhões anuais prometidos – e não cumpridos – pelos países ricos.


Seja nos EUA, no Japão ou na Europa, as divergências internas nos respectivos Legislativos, assim como a pressão dos grandes conglomerados privados, tem impedido que o Fundo veja de fato a luz do dia: “Enquanto o mundo apostar que as empresas terão um papel estratégico na redução das emissões de gases de efeito estufa, a gente tá ferrado porque o capital visa somente o lucro. Precisamos repensar profundamente o modelo econômico de desenvolvimento. Isso pode passar pelas empresas, mas passa muito mais pelo Estado”, diz o ambientalista Pedro Graça Aranha, da Coalizão pelo Clima.


Astrini lembra que essa é uma discussão antiga e diz não esperar que o fim do contencioso aconteça no Egito: “Os países ricos falham em não deixar esse dinheiro na mesa. Existe uma cobrança muito grande, uma troca de acusações, e o fato é que essa discussão não está terminada e deve tomar boa parte da COP-27”.


Outro tema que, segundo o dirigente do Observatório do Clima, deve ganhar espaço é o pagamento de indenizações aos países que já sofrem de forma mais severa os efeitos do aquecimento global em curso: “São países que estão perdendo sua capacidade de agricultura ou sendo engolidos pelo mar, entre outros diversos problemas. Cobram indenizações dos países ricos para que possam enfrentar os efeitos do aquecimento, mas estes relutam em fazer esses pagamentos por perdas e danos e em criar um fundo de assistência”.


O que esperar do Brasil


Um dos responsáveis pela elaboração do programa de governo de Lula para a área ambiental, o deputado federal Nilto Tatto, do PT, participará da COP-27 ao lado do presidente eleito. Ele aposta na nova postura do Brasil – que deixará o posto de pária ambiental para reassumir seu protagonismo – como um estímulo ao conjunto dos países signatários do Acordo de Paris: “Poucos países têm cumprido suas metas, não somente o Brasil de Bolsonaro. Esta COP estará muito focada na agenda de implementação dos acordos e é preciso inclusive ir além daquilo que os países acordaram como meta de redução de emissões.”


Tatto diz que uma das ações que o Brasil deverá retomar já em Sharm-el-Sheikh é o diálogo com a sociedade civil nacional e internacional: “Será um momento oportuno para dialogar com todo mundo do Brasil que acompanha a agenda ambiental e estará no Egito. Durante a COP-27 com certeza haverá os momentos de ouvir também. Lula já se comprometeu a fazer esse diálogo.'


O parlamentar ressalva que “o governo de transição que irá à COP não é o governo oficial”, mas diz que o objetivo é passar ao mundo a mensagem de que o Brasil vai retomar sua agenda ambiental: “Não se deve esperar do Lula nenhum anúncio de novas metas que acordou já será uma coisa extraordinária para o mundo todo”.

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