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Em 6 meses como prefeito de SP, Nunes aprova projetos impopulares e evita confronto

Queixas na zeladoria aumentaram e oposição critica loteamento; gestão cita vacinação e melhoria em serviços



SÃO PAULO

Em seus primeiros seis meses como prefeito da cidade de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) vem adotando como estratégia política a aprovação de uma série de medidas impopulares de uma vez só no início do mandato. Assim, na teoria, abriria caminho e abasteceria o cofre da cidade para construir uma marca própria nos anos seguintes.

O atual prefeito assumiu definitivamente após a morte de Bruno Covas (PSDB), em decorrência de um câncer, em 16 de maio. Desde então, com ajuda do presidente da Câmara, Milton Leite (DEM), mostrou força no Legislativo ao aprovar projetos que enfrentam forte resistência na sociedade, como a reforma da Previdência Municipal, o aumento de salário para cargos comissionados e a autorização para a prefeitura pegar empréstimos de R$ 8 bilhões.


O prefeito Ricardo Nunes com o governador João Doria em evento em SP - Ronny Santos/Folhapress


Embora administrativamente siga os planos de Covas, na área política o prefeito tem um jeito bastante diferente do tucano, que adotava uma postura muito mais combativa e havia se tornado um protagonista no cenário nacional. Nunes, por sua vez, evita confrontos —o que, em alguns casos, demonstra fragilidade, argumentam seus críticos.


Na área administrativa, a gestão é acusada de falta de planejamento para reverter o gordo caixa em obras, enquanto as reclamações de zeladoria estão em alta.


Em nota sobre este início de gestão, a administração Nunes citou a campanha bem-sucedida de vacinação e diz que conseguirá finalizar as metas propostas até 2024.

Na última semana, a base de Nunes venceu a mais árdua batalha na Câmara, ao aprovar a reforma da Previdência. O projeto acaba com a isenção de aposentados que ganham mais de um salário mínimo e abaixo do teto do INSS —a gestão diz que isso vai ajudar a enfrentar um déficit de longo prazo estimado em R$ 171 bilhões.

Após muito protesto e confusão, com direito a lançamento de bombas contra servidores municipais, o projeto passou com os exatos 37 votos necessários.

A prefeitura já havia aprovado outros projetos que considera estratégicos, como o aumento de salários para comissionados, o pacote de mudanças em benefícios do funcionalismo, autorização para empréstimos e requalificação do centro da cidade.

Para a oposição, projetos como o que aumenta o salário de comissionados servem para aumentar o valor de cargos oferecidos para aliados em troca da aprovação de projetos. "Você tem mais para repartir no toma lá da cá", diz a vereadora Luana Alves, do PSOL.


Um dos exemplos usados por oposicionistas sobre o uso de cargos para aprovação é a troca do subprefeito do Jabaquara, Tiago de Almeida Machado, que teria sido uma retaliação ao vereador Arnaldo Faria de Sá (PP), que votou contrariamente à reforma da Previdência.

Luana diz que o loteamento de cargos é usado para aprovar projetos que prejudicam os mais pobres.

A reforma da Previdência, por exemplo, afeta agora pessoas que ganham menos. Outro exemplo citado pelo partido é a proposta de revisão da Planta Genérica de Valores, a base de cálculo para o IPTU.

A cada quatro anos, o prefeito é obrigado a revisar o valor venal dos imóveis, usado para calcular o imposto. A gestão argumenta, porém, que em 2022 e 2023 haverá travas para que seja feita apenas correção pela inflação.

A oposição não acredita. Argumenta, por exemplo, que ao mudar o valor dos imóveis muitos deixarão de ser isentos.

"A revisão da planta genérica de valores deixa mansões no Morumbi sem aumento enquanto tem reajuste de até 70% em algumas periferias", diz Luana.

Vice-líder do governo na Casa, o vereador tucano João Jorge costuma ser um dos principais defensores nos debates para aprovar os projetos.

Ele afirma que o discurso sobre o aumento do IPTU é uma invenção da oposição e garante que haverá apenas atualização inflacionária. Sobre os projetos que afetam o funcionalismo, como a reforma da Previdência, ele chegou a comparar como uma injeção que se dá em uma criança para evitar uma doença—em uma argumentação de que a melhoria das finanças irá beneficiar os servidores que agora reclamam.

Para Jorge, as críticas em relação à distribuição de cargos são feitas por partidos que, onde governam, fazem a mesma coisa. "Onde o PSOL e os partidos de oposição governam também eles têm que colocar partidos aliados para governar junto. Em qualquer democracia é assim, o poder não é só do partido que vence as eleições. Por isso existem coligações partidárias", diz.

Ele afirma, porém, que a maioria construída por Nunes se deve também a questões programáticas. Nesse contexto, na visão dele, a flexibilidade do prefeito para negociar, inclusive com a oposição, também ajudaria

Nunes é ex-vereador e costuma atender diretamente os atuais parlamentares. Quem vive o dia na Casa, porém, costuma responsabilizar principalmente o presidente Milton Leite pelas vitórias da base.

Para os críticos, durante a pandemia, as sessões híbridas dificultaram a obstrução das sessões pela oposição, o que teria sido usado por Leite para "passar a boiada", como alguns chegaram a dizer.

Leite afirma que os projetos sempre são intensamente debatidos e que a oposição teve, sim, espaço para suas manifestações.

"A cidade tem pressa, mas, na Câmara, nunca vamos deixar de dialogar e melhorar os textos. Não há pressão alguma do Executivo e sim convencimento por parte dos vereadores da base de que são projetos importantes para São Paulo. Me parece que a oposição fecha os olhos para isso enquanto só pensa em gritar", afirma.

Sem grandes dificuldades no Legislativo, Nunes, diferentemente de outros prefeitos, também não deve ter de lidar com problemas financeiros nos próximos anos. Ele tem quase R$ 2 bilhões extras em seu orçamento para este ano, graças a um resultado superavitário no último ano, quando a cidade recebeu uma série de receitas extraordinárias para o combate ao coronavírus.

O vereador Antonio Donato (PT) afirma que a gestão tem caixa recorde, de mais de R$ 25 bilhões, mas insiste em projetos que afetam a população mais pobre e o funcionalismo.

Os recursos, porém, não se refletem em benefícios para a cidade, afirma. "Não tem execução e não tem planejamento de execução, não tem uma licitação importante na rua, não tem plano de obras", diz.

Ele cita, por exemplo, um BRT (espécie de corredor de ônibus) anunciado para a avenida Radial Leste, para o qual, segundo ele, a prefeitura não tem um projeto, mas uma "vaga id eia" do que pretende fazer.

Conforme a Folha mostrou, o novo plano de mobilidade apresentado pela prefeitura inclui apenas projetos que já fazem parte do plano de metas do município ou que estão engavetados há anos.

O valor atualizado para investimentos em obras e outras melhorias é de R$ 6,3 bilhões, segundo a execução orçamentária. Até agora, apenas R$ 1,1 bilhão foi gasto.


Para Donato, a estratégia da gestão seria de guardar caixa para o ano eleitoral, quando gastará boa parte das reservas com asfalto e outras obras de fácil execução e muita visibilidade. "Agora, não tem recapeamento, mal tem tapa buraco", diz.

Segundo levantamento feito pela Folha, comparando dados do sistema 156 do terceiro trimestre de 2019 e o deste ano, as queixas de serviços de zeladoria estão em alta —o ano passado foi excluído devido à pandemia, que alterou consideravelmente o funcionamento da cidade.

Os pedidos por tapa-buracos aumentaram 42% no período e as reclamações por falta de varrição, 33%. Os maiores aumentos ocorreram nos avisos de semáforos com problema (85%) e pedidos de limpeza de bueiros (59%)

Quando o prefeito eleito morreu, Nunes assumiu dizendo que continuaria sendo a gestão Covas. O núcleo próximo do tucano permanece, apesar das trocas em quatro secretarias.


Uma das mais ruidosas foi a saída do então secretário de Cultura Alê Youssef, que citou incompatibilidades ideológicas e dificuldades orçamentárias para a pasta. Youssef era um aceno de Covas à esquerda.

Recentemente, outro secretário bastante próximo de Covas foi exonerado horas após anunciar apoio a Eduardo Leite nas prévias do PSDB. Orlando Faria, ex-titular da pasta de Habitação, disse que sua saída foi resultado de forte pressão dos aliados de João Doria, que concorre com o governador do Rio Grande do Sul.

Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV, a saída de Faria para satisfazer aliados de Doria é uma demonstração de fragilidade política de Nunes. "A gente tem que lembrar que ele virou vice por conta de um esforço do Doria e é ligado ao Milton Leite. O que uma pessoa frágil politicamente não pode é brigar com seus padrinhos", diz.

Embora tenha divergências e críticas pontuais em relação ao governo federal, Nunes se diferencia de Covas na relação política com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O tucano fazia um forte contraponto, com posicionamentos contundentes contra a gestão federal, o que não continuou com Nunes.

Teixeira afirma que, após a saída de Covas, a cidade de São Paulo perdeu protagonismo. "O Covas estava se colocando como liderança política nacional, é algo que o cargo tende a dar, pois estamos falando de um dos maiores orçamentos do país", diz. "O Ricardo Nunes até agora não se apoderou da importância que a Prefeitura de São Paulo tem de protagonizar a política do pais".


GESTÃO CITA VACINAÇÃO BEM-SUCEDIDA E MELHORA EM SERVIÇOS


A gestão Nunes enviou nota à reportagem citando a bem-sucedida campanha de vacinação realizada na cidade. O texto afirma que isso permitirá agora uma "maior tranquilidade no desenvolvimento de projetos não emergenciais".

"Combinadas essas variáveis, a projeção é que a partir de 2022, as audaciosas metas apresentadas para a população sejam atingidas até o final da gestão, em 2024", diz a nota.

A gestão citou também entregas dos parques Paraisópolis e Augusta, de 2.500 unidades habitacionais e as novas galerias do córrego Anhanguera, a canalização do córrego Zavuvus e a ligação entre os piscinões do córrego Ipiranga.

A administração também afirmou que, devido à segunda onda da pandemia, teve gastos extraordinários e "se viu obrigada a remanejar de outras áreas o valor de aproximadamente R$ 4,12 bilhões em 2021".

A gestão também rebateu acusação de que falta planejamento ao BRT da Radial Leste, ao dizer que ele é discutido há anos.

Questionada sobre as críticas de loteamento de cargos, a gestão afirmou que a "substituição de gestores em cargos de comissão, em qualquer unidade municipal, é uma prerrogativa dos superiores e as nomeações obedecem a regras administrativas e trâmites legais".

Sobre a questão da zeladoria, a prefeitura afirmou que atualmente o estoque de pedidos em outubro era é 63% menor que o do mesmo mês em 2019.

A gestão cita redução de 74% das solicitações em estoque de tapa-buracos e de 95% no tempo de atendimento médio. A queda no estoque para os serviços em árvores caiu 46% e o tempo de atendimento, 88%.

"Ao contrário do que indica a reportagem, o total de solicitações recebidas não corresponde diretamente ao número de serviços a serem executados, já que o sistema recebe inúmeros pedidos duplicados para o mesmo endereço. O cancelamento das ordens de serviços é feito após vistoria, e varia de acordo com o problema identificado e encaminhamento para concessionárias, quando necessário", diz a prefeitura.



ALGUNS PROJETOS POLÊMICOS APROVADOS

  • Reforma da Previdência - Retira isenção de aposentados que ganham acima de um salário mínimo e abaixo do teto e aumenta a idade mínima

  • Cargos comissionados - Aumenta salários de comissionados na prefeitura que, em alguns casos, chegam a ter os vencimentos dobrados

  • Mudanças para servidores - Projeto que inclui um amplo leque de assuntos, reduz faltas abonadas de servidores e cria gratificações para pessoas que trabalham em bairros periféricos.

  • Retrofit do centro - O projeto batizado de Requalifica Centro dá isenções em IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) e ISS (Imposto Sobre Serviços) para atividades voltadas a requalificar a região

  • Empréstimo - Pelo projeto enviado pelo Executivo e aprovado em segunda votação, a gestão ficaria autorizada a pegar R$ 5,5 bilhões em crédito interno e US$ 500 milhões (a R$ 5) em crédito externo, totalizando R$ 8 bilhões em empréstimos

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