Em que cidade o prefeito vive?
'Capital dos direitos civis' não se parece com a São Paulo de hoje
O ex-secretário de Transportes de São Paulo Jilmar Tatto
Reinaldo Canato/Folhapress
Em comemoração dos 466 anos de São Paulo, o prefeito Bruno Covas (PSDB) decidiu presentear o povo paulistano com uma obra de ficção. O texto — classificado como artigo e publicado na edição da última sexta-feira (24) nesta Folha — pinta a capital como uma verdadeira Atlântida. Na obra do escritor Francis Bacon, a cidade utópica funciona imponente a partir de um sistema igualitário no qual todos têm direitos garantidos e almejam o bem comum.
Intitulada “a capital dos direitos civis”, a cidade em que Covas vive não se parece com a São Paulo que viu, nos últimos anos, a população de rua aumentar de 15 mil para 25 mil pessoas.
O aumento visível da pobreza é simbólico, triste e urgente. Mas não o único. No trânsito, a situação tem partido rumo ao retrocesso. Com o aumento da velocidade nas marginais, medida tomada pelo então prefeito João Doria (PSDB) — do qual Covas era vice —, o número de mortes por acidentes subiu vertiginosamente. Segundo dados da CET, tal medida da gestão Doria/Covas ceifou 894 vidas ao longo de 2018.
É impossível não lembrar da revolução em mobilidade colocada em prática num passado nem tão longínquo assim. Na gestão de Fernando Haddad (PT), em que tive a honra de ser secretário de Mobilidade e Transportes, ampliamos as possibilidades ao construir 500 km de ciclovias. Desprezadas pela atual gestão, as faixas exclusivas para bicicletas estão esburacadas, e nem 1 km a mais foi construído.
Moradores de rua de SP
Somam-se a isso a redução das linhas de ônibus pela gestão Covas e o aumento das passagens que estrangulam os jovens, a trabalhadora e o trabalhador da capital. Faz-se necessário lembrar que, justamente na gestão Haddad, foi criado o passe livre para estudantes, projeto do qual também tenho orgulho de ter feito parte. Também implantamos 400 km de faixas exclusivas de ônibus, reduzindo em uma hora ou mais o tempo gasto no trânsito.
Oras, uma gestão que diz prezar tanto pelos direitos civis não cortaria o leite de 700 mil crianças, pondo fim a um programa essencial como o Leve Leite. O mesmo digo sobre o desmantelamento dos conselhos tutelares. Foi também sob a nossa gestão que ampliamos o Leve Leite, criamos a escola em tempo integral e reduzimos as filas das creches.
Ao contrário do que disse Covas em seu “artigo”, depois de três anos, as obras do hospital Parelheiros sequer foram concluídas, assim como o de Brasilândia. Moradores não encontram nos postos de saúde remédios básicos e até aqueles de uso contínuo.
Aliás, vale ressaltar que, no aniversário de nossa cidade, nem a avenida Paulista esteve aberta para a população. E precisamos lembrar, claro, que abrir a via para a população é também nosso legado, oferecendo mais uma opção de lazer, cultura, arte e turismo.
Tenho orgulho de, ao lado de Fernando Haddad, ter realizado uma administração moderna, visionária, principalmente do ponto de vista do Plano Diretor, que possibilitou às pessoas se apropriarem da cidade.
São Paulo é o coração da América Latina. Aqui o mundo se encontra. Quem visita São Paulo encontra uma cultura diversificada, um povo trabalhador que todo dia luta por uma vida melhor e tem um sorriso no rosto, apesar de todas as dificuldades. São essas pessoas que constroem dia a dia a São Paulo que nos encanta, nos desafia e nos ensina há 466 anos. Essa é a cidade real.
Jilmar Tatto
Ex-secretário de Mobilidade e Transportes da Prefeitura de São Paulo (gestões Marta Suplicy e Fernando Haddad) e secretário nacional de Comunicação do PT