Por lei, o Fundeb acaba em 2020. Você sabe o que está em jogo?
Propostas que tramitam na Câmara e no Senado defendem a permanência do Fundo, mas divergem sobre o patamar de complementação da União
Por lei, o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) tem validade até 31 de dezembro de 2020.
Por esta razão, tramitam propostas parlamentares na Câmara e no Senado que pactuam pela permanência do fundo, mas ainda divergem sobre a sua composição orçamentária e o repasse da União, que atualmente é de 10% do valor total dos fundos nos estados e municípios. A expectativa é de que se estabeleça um pacto entre as propostas para acelerar a tramitação e chegar a uma aprovação do novo modelo.
No Senado, tramitam as propostas de emenda constitucional PEC 65/2019 e PEC 33/2019, e na Câmara dos Deputados, a PEC 15-A/2015. Ambas preveem a renovação do fundo e a necessidade de torná-lo permanente na Constituição (sem data de validade como prevê a lei atual), mas apontam diferentes caminhos para o aumento da contribuição da União. A PEC 65/19 fala em ampliar dos atuais 10% para 40% a complementação da União em 11 anos; a PEC 33/2019, aponta uma complementação de 30% em três anos; já a PEC 15/15 prevê um salto inicial da complementação para 15% e uma progressão até chegar a 30%, em dez anos.
Por que aumentar a receita do Fundeb?
O aumento da contribuição da União ao fundo é um dos pontos sensíveis da tramitação acerca do novo modelo e fundamental para alicerçar uma das principais demandas do novo modelo: ampliar o número de novas matrículas nas redes estadual e municipal do País, prevendo a universalização do atendimento escolar nas diversas etapas da educação – na etapa obrigatória dos 4 aos 17 anos, além de creche, pré-escola e EJA. Atualmente, o Fundeb subsidia mais de 40 milhões de matrículas das redes estaduais e municipais de ensino, com um total investido de 156,4 bilhões de reais. Especialistas apontam que, nesse modelo, não cabe a expansão das redes.
A questão é uma das defendidas em uma nota técnica lançada pelo comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O objetivo do documento é colaborar com a tramitação do Fundo “e estabelecer um consenso acerca do inegociável direito à educação”, defende Daniel Cara, coordenador da campanha e um dos especialistas a contribuir com a publicação.
Cara dá a dimensão dos desafios relacionados à criação de novas vagas. “Só para cumprirmos as metas do Plano Nacional de Educação [as metas 1, 2 e 3 tratam da universalização do atendimento escolar] precisamos criar 1,5 milhão de matrículas nas creches, e cerca de 500 mil em cada uma das demais etapas, pré-escola, Ensino Fundamental e Ensino Médio”, diz.
O especialista explica que a entrada dos estudantes que hoje estão fora da escola, aliado a uma padrão de qualidade mínimo para as vagas já existentes, demandaria uma contribuição da União da ordem de 47%, mas que o porcentual, ideal tecnicamente, está fora de cogitação por questões políticas.
A tentativa, no entanto, é por um consenso entre deputados federais, senadores e governo para que haja uma única proposta. Isso evitaria um pingue-pongue que faria com que a matéria da Câmara tivesse que ainda ser analisada pelo Senado e reavaliada em caso de mudança, o que só atrasaria a tramitação e a aprovação. Segundo Bacelar, a ideia é que a Comissão especial da Câmara aprove a proposta até o início do segundo semestre.
A questão da qualidade
Outro ponto sensível da tramitação é o entendimento de como o Fundeb pode garantir um padrão de qualidade mínimo para as vagas ofertadas nas redes educacionais. Para a campanha Nacional pelo Direito à Educação e os demais signatários da nota técnica, para além do repasse da União ao Fundo, segundo o texto melhor referendado na PEC 65/19, o instrumento deve ser capaz de garantir a valorização dos profissionais de educação, e corrigir as distorções orçamentárias ainda existentes.
Hoje, quase 80% do que é gasto em educação básica sai dos cofres de municípios e estados. A ideia de aumentar a complementação da União corrigiria isso. No ano passado, o Fundeb distribuiu 148,3 bilhões de reais. Mas o valor investido por aluno no ano, considerando todas as fontes, varia quase sete vezes no país, entre o município que tem mais recursos e o município que tem menos. Das 5.570 cidades do país, 62% (3.199) têm disponíveis menos de 400 por mês por aluno.
A nota técnica defende dois novos fatores de ponderação ao Fundeb, um primeiro para distribuir recursos a redes municipais e estaduais prejudicadas pela baixa arrecadação e um um segundo para beneficiar redes públicas dirigidas por entes federados com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Outra aposta nesse sentido é garantir o CAQi (Custo-Aluno-Qualidade-inicial), que de acordo, com o PNE, deveria ter sido implementado até junho de 2016. O mecanismo calcula um custo por aluno de qualidade anual a partir de vários fatores, como etapa escolar, modalidade de ensino, número de estudantes por turma e jornada semanal dos estudantes.
A recomendação feita pela nota técnica é que os recursos do Fundeb sejam dirigidos exclusivamente às escolas públicas e a uma política de Estado comprometida com a expansão das vagas no segmento público. O entendimento faz com que o comitê diretivo da Campanha Nacional refute não só as ideias ventiladas por Weintraub, como outras propostas de emenda constitucional.
O ministro já declarou que acredita em um maior repasse do Fundeb a Estados que cumprirem suas metas educacionais nas avaliações de larga escala, caminho trilhado por parlamentares como a deputada Tábata Amaral (PDT-SP). O deputado Tiago Mitraud (Novo – MG) defende que os recursos do Fundeb possam ser utilizados para financiar o ensino em instituições privadas ou sem fins lucrativos, os chamados “vouchers”. Daniel Cara refuta as propostas e as entende dentro de um caráter “gerencialista” da educação, com aspectos inconstitucionais,e que não não só não garantiriam mais qualidade educacional, como reforçariam as desigualdades educacionais que precisam ser superadas.