Contrariando promessa, Dória se lança ao governo de SP
Durou um ano e três meses o comprometimento do prefeito de São Paulo, João Doria Jr., de não deixar seu cargo para disputar novas eleições.
Em 16 de setembro de 2016, em entrevista ao Catraca Livre, o então candidato à Prefeitura de São Paulo assinou uma carta em que afirmava que não se candidataria para nenhum outro cargo político (como governador, senador ou presidente) caso fosse eleito como prefeito.
Depois disso, em vários momentos, devido a especulações, ele confirmou que não deixaria o mandato e que "não era candidato a nada".
Mas, o prefeito disputou prévias no domingo (18) e confirmou sua pré-candidatura. Leia texto completo no Catraca Livre
licenciado para disputar a eleição de outubro, mesmo que não se torne governador, Doria não pode voltar ao cargo de prefeito, que será assumido pelo vice, Bruno Covas.
João Dória e São Paulo, a marca da renúncia
Cumprido pouco mais de um quarto do mandato de prefeito para o qual foi eleito pelos paulistanos, eis que João Doria anuncia renúncia do cargo para concorrer ao governo do Estado. Haverá de se esforçar muito para demonstrar à população que este gesto faz parte de algo "novo" na política – usar um cargo como trampolim imediato para outro mais alto. No caso dele, a pretensão inicial seria a Presidência da República; como não foi possível passar por cima de Geraldo Alckmin, numa conduta de deslealdade como poucas vistas na política, vai à disputa na esfera estadual. Será o segundo prefeito do PSDB a abandonar a Prefeitura de São Paulo nessas condições. Para isso, parecia estar se preparando desde o primeiro mês de governo, numa desenfreada maratona de viagens internacionais e nacionais, quando a cidade foi governada várias vezes até pelo presidente da Câmara de Vereadores, quando prefeito e vice estiveram ausentes.
Vai precisar de muito empenho para comprovar que, como "gestor", deu o melhor de si à cidade, enfrentou seus principais problemas, correspondeu à expectativa criada na sua campanha relâmpago e que, agora, tudo seguirá em céu de brigadeiro com a Prefeitura comandada pelo vice Bruno Covas. Doria se afasta com índices de reprovação em alta e aprovação em baixa, conforme as mais recentes pesquisas de opinião – a queda na aceitação vem desde que ele assumiu, o que parece indicar que a população se decepcionou e espera mais dedicação do prefeito ao seu trabalho.
Neste ponto, Doria parece querer convencer que, ainda que não esteja no seu melhor momento na capital, superará isso e ainda irá enfrentar os desafios do resto do Estado. No caso, estamos falando de 645 municípios e 45 milhões de habitantes. Mas espera-se que tenha algo a dizer sobre quais seriam estes grandes desafios e quais soluções propostas para fazer crer que poderá governar São Paulo. Segurança pública em estado crítico, ensino médio enfraquecido, universidades estaduais no limite, saneamento e abastecimento de água sem avanços, transporte metropolitano estagnado, desemprego alto, sistema de saúde esgarçado e surto de febre amarela.
Em apenas seis meses, Doria julga que estará apto a se apresentar com a fórmula milagrosa, novamente, como "não político, mas gestor", capaz de superar os passivos de 24 anos de PSDB? De tal modo que é desnecessário comprovar com experiência, compromissos, programa de governo, ideias sólidas, debates acumulados, imersão na realidade econômica e social, que estaria à altura da missão?O que pode parecer "natural" para a política dos tucanos – desfazer-se do cargo de prefeito de São Paulo por duas vezes, sem a menor cerimônia ou constrangimento –, agora adquire uma feição dura e explícita. Não importa a confiança dos eleitores que acreditaram estar elegendo um prefeito que estaria a seu lado para enfrentar os problemas imensos do seu cotidiano; não importa que a cidade de São Paulo seja, em si, o maior desafio urbano que um gestor possa ter à sua frente; não importa que nada de fundamental e estruturante ele tenha feito pela cidade neste exíguo espaço de tempo administrativo.
João Doria anuncia, com sua atitude, que os degraus do poder devem ser galgados com volúpia, que os dramas da capital-metrópole podem ser diluídos ou somados aos dilemas estaduais, que debate político e programático consistente pode ser substituído por efeitos de marketing duvidosos, que basta oferecer o objetivo de "derrotar o PT" para governar o maior Estado do país e justificar a própria falta de realizações.
É lamentável que isso esteja ocorrendo, em paralelo a uma situação já suficientemente difícil de crise social se ampliando, problemas urbanos recalcitrantes, retomada econômica pífia e regressão da participação democrática. O desalento e a descrença na política e na gestão pública só tendem a crescer enquanto a paixão por servir ao interesse público em primeiro lugar for soterrada pela ambição e desfaçatez políticas.